O encontro estava marcado para as 12h40. Cheguei à baixa trinta minutos antes, mas queria aproveitar a ida ao Porto para fazer algumas compras a granel. Corri entre a Rua do Rosário e o Centro Comercial Miguel Bombada e pelo rabo do olho entrevi dois leitores, sentados no interior de dois cafés distintos, junto às montras. A câmara fotográfica, fechada dentro da mala que levava ao ombro, pedia-me que parasse e aproveitasse as oportunidades — afinal de contas estava sem conteúdo para o Acordo Fotográfico havia quase dois meses. Mas o meu sentido de pontualidade falou mais alto e segui em frente. Quando por fim, já de compras feitas, entrei no restaurante Sabores & Açores, que era o meu ponto de encontro, parecia que o David esperava por mim, para me oferecer a fotografia e a conversa de que eu tanto precisava.
“Estou a ler um livro teórico, chamado “The comics of Hergé – When the lines are not so clear”, que saiu há dois anos sobre a obra do Hergé, o autor do Tintin. Estou a fazer um doutoramento sobre Banda Desenhada e esta leitura é uma atualização científica. Consiste num conjunto de ensaios, de vários autores. Estou a gostar muitíssimo, porque é uma perspetiva de fora, uma visão americana sobre uma obra que é belga, e há sempre novos detalhes em cada ensaio. É muito interessante mesmo!”
O David formou-se na área da Literatura e do Cinema. Também por isso, lê muito e de tudo um pouco, embora admita que não se dedica tanto à poesia e a textos dramáticos. Naturalmente, no meio dos muitos livros que já leu, torna-se difícil eleger um que tenha sido determinante, mas a este propósito David consegue surpreender-me ainda assim:
“Bem, já que tenho nas mãos um livro sobre o Hergé, devo dizer que as aventuras de Tintin foram sem dúvida importantes, porque foi com elas que aprendi a ler, tinha três ou quatro anos. Agora leio esses álbuns com uma perspetiva crítica e teórica que não tinha na altura, obviamente, mas continuam a ser tão maravilhosos e emocionantes como dantes. Levaram-me a viajar e deixaram-me este sonho de viajar a sério quando crescesse. E é isso que eu tenho vindo a fazer constantemente.”
No passado mês de Agosto fotografei a Marta, uma leitora de Banda Desenhada, e nessa ocasião escrevi sobre uma das leituras mais difíceis que fiz este ano, a do ensaio “A Experiência de Ler”, do autor C. S. Lewis. Difícil não porque considerasse o texto hermético ou aborrecido, mas porque o meu humor durante a leitura oscilou entre o “isto é mesmo bom, é muito lúcido” e o “isto é muito preconceituoso, conservador e não gosto nada”. No capítulo IV, com o título “O Modo de Ler do Mau leitor”, C. S. Lewis defende que o comportamento do mau leitor apresenta cinco características, sendo que uma delas é apreciarem “narrativas em que o elemento verbal seja reduzido ao mínimo: histórias em banda desenhada ou filmes com o mínimo de diálogo possível”.
Que pena não me ter lembrado disto enquanto conversava com o David! Teria adorado saber a sua opinião sobre este assunto, porque sinto que a Banda Desenhada ainda é vista como um estilo literário menor e eu, que não sou leitora de BD, acho a opinião de C. S. Lewis a esse respeito quase ofensiva. Resta-me esperar que o David possa contribuir com algum comentário aqui no Acordo Fotográfico.