PORQUE LI?
Exatamente pelas mesmas razões pelas quais li “A Transformação”, de Kafka: porque “A Paixão do Jovem Werther” é um clássico, porque a edição de bolso é barata e porque na Feira do Livro de Lisboa estava ainda mais barata, com 20% de desconto.
O QUE ACHEI?
Werther é um jovem alemão, que num momento de impasse profissional, viaja até Wahlheim, uma pequena aldeia rural, onde passa uma larga temporada, mais ou menos entre o Verão e o Outono. De alma sensível e espírito de artista, Werther consome os seus dias a passear pelo campo, a contemplar a natureza, a desenhar, a conhecer e conviver com os aldeãos de Wahlheim, que o recebem calorosamente, e a escrever cartas ao seu amigo Wilhelm, onde relata com detalhe e paixão o que de mais importante lhe acontece.
“Não sei se são espíritos enganadores, que pairam sobre esta região, ou se é a fantasia ardente e divina no meu coração que torna tudo tão paradisíaco.”
Numa noite de baile e tormenta (prenúncio óbvio da paixão conturbada que se aproximava e do muito que viria a sofrer), Werther conhece Charlotte, a mais bela jovem da aldeia, um exemplo de perfeição: jovial, inteligente, sociável, séria e… prometida em casamento a Albert, um homem virtuoso, onze anos mais velho, ausente na primeira parte do romance porque viajou a trabalho. Charlotte e Werther tornam-se amigos, e o jovem artista passa a frequentar diariamente a casa de Charlotte, tornando-se íntimo da sua família, composta por vários irmãos mais novos e o pai viúvo.
“Desde então, o céu, a lua e as estrelas podem pacatamente entregar-se ao seu afazer, que eu não sei se é dia ou noite, o mundo inteiro esvai-se em meu redor.”
Werther perde-se de amores por Charlotte; Charlotte sabe disso, mas nunca nenhum deles pisa o risco. Quando Albert regressa da viagem, torna-se também amigo de Werther, que não pode deixar de admirá-lo e respeitá-lo. Os três continuam a conviver intensamente, mas à medida que percebe que Charlotte nunca poderá ser sua, o sofrimento de Werther torna-se excruciante…
“É mesmo necessário que aquilo que faz a felicidade do homem seja também fonte da sua desgraça?”
E mais não vos conto, não vá dar-se o caso de querem ler este clássico da literatura universal e eu estragar-vos esse prazer.
Acrescento, apenas, que “A Paixão do Jovem Werther”, publicado em 1774, se inscreve no Romantismo, um movimento artístico, filosófico e político que emergiu na Europa do final do século XVIII. Este romance de Johann Wolfgang von Goethe surgiu, aliás, nos primórdios do Romantismo e preenche os seus principais requisitos: a visão do mundo centrada no indivíduo, os amores trágicos, os dramas humanos, os ideais utópicos, a imersão e contemplação da natureza como uma forma de escape, o lirismo, o sonho, a idealização da mulher e a depressão por sabê-la inatingível.
É um livro que se lê bem, embora o drama me tenha cansado, confesso. Houve momentos em que perdi a paciência para os devaneios de Werther — o amor e a depressão exacerbados, ombro a ombro, a bipolaridade… O personagem conquistou-me, porém, com as tiradas lúcidas sobre as coisas do mundo, a natureza humana e até a literatura, como por exemplo:
“Isto do género humano é uma coisa bem monótona. A maior parte dos homens emprega quase todo o tempo a viver, e o pouco que lhes resta de liberdade amedronta-os de tal modo que procuram por todos os meios ver-se livres dele. Que destino o do homem!”
“Os doutos mestres-escolas e preceptores estão de acordo em que as crianças não sabem por que razão querem; mas custa a acreditar que também os adultos cambaleiam por esse mundo fora como crianças, não sabendo, tal como elas, de onde vêm e para onde vão, tão-pouco agindo segundo objetivos verdadeiros, e deixando-se governar com biscoitos, bolos e vergastadas — custa a acreditar, mas creio que é palpável.”
“(…) como raramente tenho acesso a um livro, quando o alcanço te de ser bem a meu gosto. E o autor que prefiro é aquele em que reencontro o meu mundo, em que as coisas acontecem como se comigo fossem e em que a história se me torna tão interessante e comovente como a minha própria vida doméstica que, não sendo certamente nenhum paraíso, é, no seu conjunto, fonte de inefável ventura.”
“(…) Tenho andado a pensar sobre várias coisas, sobre a ânsia do homem em se expandir, fazer novas descobertas, deambular de um lado para o outro; mas também sobre o impulso interior para de boa vontade aceitar limites, caminhar pelas vias do hábito e não se preocupar com o que se passa à direita ou à esquerda.”
“(…) à minha medida aprendi a compreender que todos os homens extraordinários que realizaram qualquer coisa de grandioso, que parecia impossível, sempre foram declarados ébrios ou loucos.”
Foram parágrafos como estes que me consolaram e é por deles que recomendo a leitura d’ “A Paixão do Jovem Werther”.