Já li — A Transformação

PORQUE LI?

Porque é um clássico, porque a edição de bolso é barata e porque na Feira do Livro de Lisboa estava ainda mais barata, com 20% de desconto.

O QUE ACHEI?

Se não fosse eu conter-me por causa dos meus pais, há muito que me tinha despedido, dirigia-me ao chefe e abria-lhe a minha alma. Havia de cair da secretária! (…) Pois bem, ainda não perdi por completo a esperança; quando conseguir juntar o dinheiro para lhe pagar a dívida dos pais — isso deve demorar ainda cinco a seis anos — fá-lo-ei sem falta. Então será a grande rutura. No entanto, por agora, tenho de me levantar, o meu comboio parte às cinco horas.” (Pág. 17)

Peguei n’ “A Transformação” (não me adapto a este novo título depois de anos a chamá-lo “A Metamorfose”…) na ressaca da leitura de “É Isto que Eu Faço” e, provavelmente, qualquer livro que eu lesse a seguir ficaria ofuscado pela história real e fascinante de Lynsey Addario. Isto para vos dizer que uma vez terminado o meu primeiro Kafka, o pensamento que me ocorreu foi: “Só isto?”. Uma injustiça, bem sei. Não se pode comparar o incomparável.

Escrito em apenas vinte dias em 1912 e publicado pela primeira vez em 1915, “A Transformação” deve ser analisada, antes de mais, à luz do que era o mundo, e particularmente a Europa naquela época, a começar pelo choque entre as grandes potências imperiais, o advento da Primeira Grande Guerra e o sofrimento absurdo a que grande parte da humanidade foi sujeita, sem ter grande voto na matéria (como acontece ainda hoje, aliás…).

Neste contexto, “A Transformação” foi um texto revolucionário, porque abordou através de uma metáfora inusitada temas que são eternos ­— por um lado a crítica à sociedade cada vez mais opressora, desumanizada, orientada em função do capital; e por outro a incapacidade de reação por parte do ser humano para mudar seja o que for —  e é dessa fibra que se fazem os clássicos.

Sim, há em todos nós, em maior ou menor grau, um Gregor Samsa, um pobre diabo oprimido pelos pais e pelo patrão, que consome os dias numa profissão que despreza, sem que consiga impor-se, rebelar-se, mandar tudo àquela parte e seguir a sua vontade, trilhar o seu caminho. A sua pequenez é de tal ordem, que um dia o corpo exterioriza, revela ao mundo a essência da sua alma — Gregor faz-se inseto. Daqueles que metem nojo, que sacudimos para longe se pousam algures, que esmagamos sem misericórdia e de quem ninguém sentirá falta.

E tu, também tens sangue de barata?

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