PORQUE LI?
O primeiro trimestre de 2017 foi muito exigente, quer a nível pessoal, quer a nível profissional. E as leituras que fiz entre Janeiro e Março seguiram o mesmo caminho, porque escolhi sobretudo ensaios filosóficos ou sociológicos, e o único livro de ficção que lera até então — os contos de Gao Xingjian — não me tinha enchido as medidas. A poucos dias de partir para o Irão, precisei de uma pausa, porque sabia que as duas semanas de trabalho em terras persas iam ser puxadas. Tirei cinco dias para descansar e decidi relaxar lendo um romance. A Editorial Presença fez a gentileza de me oferecer “O Livreiro de Paris”.
O QUE ACHEI?
Porque fui livreira durante doze anos e porque sou, hoje em dia, Biblioterapeuta, chamou-me a atenção o romance de Nina George cujo personagem principal tem uma livraria pouco comum: chama-se Farmácia Literária e funciona num bateau mouche atracado no Sena, em Paris.
Jean Perdu, o proprietário do negócio, não vende livros; receita livros. Neste aspeto, o romance foi ao encontro das minhas expectativas: adoro livros que contenham referências a outros livros, o que resultou num engrossar da minha já enorme lista de leituras futuras; para além, disso diverti-me imenso a descortinar a estratégia de Jean Perdu para receitar livros aos seus pacientes e ainda aprendi umas coisas valiosas.
Quanto ao romance, propriamente dito, não é nenhuma obra arrebatadora, mas é uma boa história, que se lê com fluidez, feita de mistérios, amores desencontrados, personagens sólidos e intensos, regressos ao passado para resolução de assuntos pendentes, perdões, descobertas vocacionais e um conjunto de finais felizes em terras cheias de luz, mar e horizontes vastos.
Acompanhei com prazer a viagem em marcha lenta que o bateau mouche empreende pelos rios franceses, em direcção ao sul, e relaxei, efetivamente, com a descrição das paisagens da Provença. Há muita leveza neste romance sensorial onde a gastronomia e a música também desempenham, a par dos livros, um papel fundamental. E, para além de livros na lista de leituras, coloquei na lista de viagens mais um destino a visitar: a vila literária de Cuisery.
Fechamos o livro com uma sensação agradável de missão cumprida, de assuntos resolvidos, de sanação e de abertura de um novo e luminoso capítulo. Recomebdável, portanto, a quem procura uma fonte de inspiração, esperança e otimismo no que diz respeito aos possíveis rumos a dar à vida. Talvez queiram considerá-lo como leitura para as férias de Verão que se aproximam.
Deixo-vos, agora, parte da preciosa lista biblioterapêutica de Jean Perdu, que está disponível no fim d’ “O Livreiro de Paris”. Opto por partilhar apenas os títulos que se encontram disponíveis no mercado português. Mas atenção, esta é uma pequeníssima amostra de todos os livros disponíveis em português que são referidos ao longo do romance:
À Boleia Pela Galáxia, de Douglas Adams. Em altas doses exerce um efeito positivo, tanto sobre o otimismo doentio como sobre a crónica falta de humor. Para frequentadores de sauna que não gostam de usar toalhas. Efeitos secundários: Aversão à posse; eventualmente, poderá fomentar o uso compulsivo do roupão matinal.
A Elegância do Ouriço, de Muriel Barbery. Em altas doses combate um pragmatismo excessivamente baseado no princípio da causalidade. Aconselhável para génios incompreendidos, apreciadores de filmes difíceis e pessoas que odeiam os condutores dos autocarros.
D. Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes. A tomar em caso de conflitos entre a realidade e o ideal. Efeitos secundários: preocupação perante as sociedades tecnicráticas, contra cuja violência das máquinas nós, indivíduos, lutamos como contra moinhos de vento.
Crónicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin (10 volumes). Ajuda na desabituação do vício da televisão, contra desgostos de amor e vulgares contrariedades, bem como contra sonhos enfadonhos. Efeitos secundários: Insónias, sonhos agitados.
Moby Dick, de Herman Melville. Para vegetarianos. Efeitos secundários: Medo da água
O Homem Sem Qualidades, de Robert Musil (3 volumes). Um livro para homens que esqueceram o que pretendiam da vida. Ajuda a superar a desorientação. Efeitos secundários: Efeito a longo prazo: decorridos dois anos, a vida torna-se diferente. Ameaça de perda de amigos, prazer no exercício da crítica social e retorno do sonho.
1984, George Orwell. Contra a ingenuidade e a fleuma. Antigo remédio caseiro contra o otimismo doentio, com data de validade expirada.
Tom e o Jardim da Meia-Noite, de Philippa Pearce. Apropriado para apaixonados infelizes.
Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago. Contra o excesso de trabalho e para descobrir o que é verdadeiramente importante. Contra a cegueira para o sentido da própria vida.
Drácula, de Bram Stoker. Aconselhável contra sonhos enfadonhos e em caso de paralisação diante do telefone. (Quando é que ele decide telefonar?)
As Aventuras de Tom Sawyer, de Marc Twain. Ajuda a superar os medos dos adultos e a redescobrir a criança na própria personalidade.