PORQUE LI?
Nas minhas deambulações biblioterapêuticas, cruzei-me com um excerto de um conto de Gao Xingjian e achei que talvez o texto completo fizesse parte do pequeno livro que tenho há anos na minha estante, sem que alguma vez o tivesse lido.
Recebi-o como oferta na subscrição da revista “Os Meus Livros” (que, se bem me recordo, deixou de ser editada em 2012) e julgo que o ignorei porque anos antes tinha desistido d’ “A Montanha da Alma”, do mesmo autor, logo nas primeiras páginas, uma experiência que me terá “traumatizado”.
Desta vez, porém, fui resgatar “Uma cana de pesca para o meu avô” e decidi dar uma oportunidade ao pequeno volume de contos com apenas 118 páginas, até porque estava a precisar de fazer uma pausa no ensaio filosófico que estou a ler desde os primeiros dias de Janeiro. Sem tê-lo planeado, “Uma cana de pesca para o meu avô” foi o primeiro livro que li em 2017.
O QUE ACHEI?
Os contos de Gao Xingjian relatam episódios simples, triviais, da vida na China contemporânea. Sucedem-se cenas que não percebemos se são ficcionadas, se foram vivadas na primeira pessoa, se foram apenas testemunhadas ou, quem sabe, até sonhadas, sem um desfecho que encerre uma moral, sem uma conclusão óbvia, quase sem um propósito que não seja apenas este: descrever um momento no tempo.
A estratégia é válida do ponto de vista literário, claro. Reconheço a poesia que o processo e o seu estilo encerram. Contudo a mera sequência de descrições cansou-me e a falta de uma apoteose em cada conto deixou-me uma incómoda sensação de frustração.
Quiçá o objectivo do autor seja mesmo esse, limitar-se à beleza dos episódios corriqueiros desta vida, à sucessão dos dias mais ou menos normais, e levar-nos a reflectir sobre a necessidade pouco salutar de acontecimentos grandiosos, de tornar cada dia absolutamente memorável através de feitos pomposos, uma epidemia muito do nosso tempo, à qual não sou alheia. Posso, até, imaginar que este efeito literário seja um produto ou uma reacção aos trabalhos forçados a que o autor foi sujeito na década de setenta do século XX, no decurso da Revolução Cultural Chinesa.
Infelizmente, não consigo afirmar que tenha gostado de “Uma cana de pesca para o meu avô”. Aliás, os parágrafos finais do último conto foram lidos na diagonal. Perdi a paciência. Porém, voltei ao volumoso “Montanha da Alma” e estive a folheá-lo. Talvez o livro de contos tenha pelo menos o mérito de me levar a dar uma segunda hipótese ao romance de Gao Xingjian.
Uma última nota para referir que o autor foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 2000 e que apesar da sua vasta obra literária — que inclui ficção, poesia, teatro e ensaios — em Portugal apenas “A Montanha da Alma” e “Uma cana de pesca para o meu avô” se encontram traduzidos. Imagino que a fraca adesão dos leitores torne o autor um mau negócio por estas bandas.
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