Já li – Eu, Malala

Acordo Fotográfico - Sandra Barão Nobre - Eu Malala - Malala Yousafzai

PORQUE LI?

Mais um livro dos oito que li no último mês de Agosto e que também fui buscar à estante dos meus pais. Li-o porque vejo em Malala uma figura exemplar e inspiradora e porque queria conhecer o seu percurso mais a fundo. Queria, acima de tudo, perceber como pôde uma jovem com tão poucos anos de vida ser tão determinada e tão influente.

 O QUE ACHEI?

Hoje, vi-me ao espelho e fiquei a pensar um segundo. Uma vez, pedi a Deus que me desse mais quatro ou cinco centímetros de altura. Em vez disso, Deus fez-me tão alta como o céu, tão alta, que já não consigo medir-me (…) Amo o meu Deus. Agradeço ao meu Alá. Falo com ele o dia inteiro. Ele é grande, o maior. Ao conceder-me esta altura que me permite chegar às pessoas, deu-me, também, grandes responsabilidades. Paz em todas as casas, todas as ruas, todas as aldeias, todos os países: este é o meu sonho. Educação para todos os rapazes e todas as raparigas do mundo. Sentar-me numa cadeira e ler os meus livros com todas as minhas amigas na escola é um direito meu. Ver todos os seres humanos com um sorriso de felicidade no rosto é o que eu desejo.

Ouvi falar de Malala Yousafzai pela primeira vez no seguimento do atentado de que foi vítima, a 9 de Outubro de 2012. Julgo que a maior parte de nós a descobriu nesse dia. Seguimos atentamente a sua evacuação para Inglaterra e a sua recuperação e rejubilámos quando o Prémio Nobel da Paz lhe foi atribuído apenas dois anos mais tarde, em 2014. Com apenas 17 anos, Malala foi a galardoada mais jovem da história do Nobel. Mas o que “Eu, Malala” conta é tudo o que aconteceu antes disto, tudo o que aconteceu para que os talibãs achassem que esta menina, que só queria ser livre para ir à escola e instruir-se, devia morrer.

Sabemos hoje que uma parte considerável do nosso carácter não nasce connosco e resulta da socialização, isto é, do meio que nos rodeia e das pessoas que o compõem. Como afirma o velho ditado, “diz-me com quem andas, dir-te-ei que és”. No caso de Malala a figura que surge como determinante na construção da sua pessoa é, sem dúvida, o seu pai. Embora a biografia foque muitos aspetos da sua relação com a mãe (que não sabia ler nem escrever), com os irmãos, com outros familiares (já que as circunstâncias duras do Paquistão obrigaram famílias numerosas a viver sob o mesmo teto, mesmo que este pequeno) e sobretudo com as colegas da escola e duas ou três amigas mais próximas, é através do pai que Malala se constrói, que Malala se faz Malala. A par dele, a jovem também se alicerça no Islão e na moralidade que este advoga. As referências a Alá são constantes em todo o livro e os momentos de conforto e esperança através da oração repetem-se.

Ziauddin Yousafzai, o pai de Malala, é filho de um imã, professor de teologia e grande orador. Apesar das suas origens humildes e da gaguez, Ziauddin lutou arduamente para terminar os seus estudos, licenciar-se e tornar-se tão bom orador quanto o seu pai. Cedo declarou o seu sonho, abrir uma escola para meninos e meninas, e concretizou-o ainda muito jovem, recém-casado e quase falido. Pelo caminho insurgiu-se contra a lógica patriarcal imperante no Paquistão e tornou-se um acérrimo defensor dos direitos e liberdades das meninas, o acesso à escola e à educação antes de tudo. Quando nasceu a sua primogénita, os homens da sua família esperavam que ficasse triste e que a sua mulher se envergonhasse por não ter dado à luz um varão, porque assim mandava a tradição pastó. Em vez disso, Ziauddin deu-lhe o nome de uma guerreira afegã, uma figura lendária — Malala — e envolveu-a desde cedo em tudo o que fez.

 

 

Malala cresceu na escola do pai, assistia às suas palestras em reuniões (políticas ou outras) e sentava-se ao seu colo para ouvir as conversas sempre que eram recebidas visitas em casa, mesmo quando todas as mulheres se auto-excluíam desses círculos intelectuais. Aquando da talibanização do vale do Swat, a sua terra natal, Malala tinha cerca de 10 anos. Perante as atrocidades que começou a testemunhar e ao ver as suas liberdades fundamentais postas em causa — não podia ir à escola, participar em visitas de estudo, não podia ouvir música, dançar ou ver filmes, por exemplo — Malala decidiu erguer a sua voz por entre uma multidão de gente amordaçada pelo medo. E mais não vos conto, porque esta é uma leitura na qual vale muito a pena investir umas horas do vosso tempo.

Dizer-vos, apenas, que enquanto Malala se fazia ativista, a maior parte dos seus dias eram tão normais quanto possível. Apesar dos talibãs, apesar da guerra, dos perigos e do seu protagonismo crescente, Malala não ficou imune às dores de crescimento vividas pelos adolescentes em qualquer parte do mundo e fala-nos disso com candura: preocupava-se com as notas, competia com as colegas para ocupar o lugar de melhor aluna da turma, orgulhava-se dos troféus conquistados, discutia com os irmãos, exultava com as visitas de estudo e os passeios na natureza, brincava na rua, resistia às paixonetas de um ou outro vizinho, preocupava-se com o seu aspeto físico e tratava do cabelo com particular cuidado.

Sim, foi uma adolescente como qualquer outra, mas com uma consciência aguda dos valores que para si eram fundamentais e dos quais não estava disposta a abdicar por razão alguma. Lutou e ainda luta por eles todos os dias. Tenho a certeza que continuaremos a ouvir falar dela pelas melhores razões e espero que possa, no futuro, ajudar o seu país a progredir.

Este é um livro para todos. O texto é acessível e a história, cheia de peripécias e detalhes (aliás, que lindo deve ser o Paquistão e que vontade de lá ir!), é fácil de acompanhar. Mas julgo que será particularmente interessante para os mais jovens, para aquela fase da vida em que é tão difícil perceber quem somos, o que estamos cá a fazer, o que se espera de nós e o que realmente queremos. “Eu, Malala” é um relato que ensina a identificar o que é mesmo importante para cada um de nós, que ensina a escolher com inteligência que batalhas devem ser travadas nas nossas vidas e que mostra como isso se faz com coragem, determinação, persistência e alegria apesar de todas as dores.

Eu, Malala” é uma história de pensamento, ação e concretização. Malala poderá muito bem estar na origem de uma nova e bonita geração de líderes.

Gosto muito dela. 🙂

 

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