Já li – Auschwitz: os Nazis e a Solução Final

PORQUE LI?

Li “Auschwitz – Os Nazis e a Solução Final” para me preparar para a visita que fiz ao campo de concentração em finais de Abril deste ano. O objetivo tinha sido estabelecido há muito, devia eu ser uma adolescente. E o livro esperava por mim numa das minhas estantes havia quase dez anos. No dia em que pisei Auschwitz, levava-o comigo na mochila.

O QUE ACHEI?

Ao longo de todo o tempo em que estive a trabalhar neste projecto, as vozes que ouvi soarem mais alto foram as das pessoas que não pudemos entrevistar, um milhão e cem mil seres humanos que foram assassinados em Auschwitz e, em particular, as mais de duzentas mil crianças que ali pereceram e a quem foi negado o direito de crescer e de experimentar a vida. Uma imagem ficou, desde o momento em que ouvi a descrição, gravada na minha mente. Foi a de uma ‘procissão’de carrinhos de bebé vazios — saqueados aos judeus mortos — retirados de Auschwitz, em filas de cinco, em direcção à em direcção à estação de comboio. O prisioneiro que testemunhou esta visão disse que levaram uma hora a passar.” (Pág. 25)

Esta foi uma das leituras mais difíceis que alguma vez fiz. Ler “Auschwitz” é, de certa forma, um exercício masoquista. Sofri muito a ler este livro e sofri porque quis. Senti-me incrédula, revoltada, enojada, profundamente triste. Tive de fechá-lo muitas vezes. Mas não consegui pô-lo de parte. Isto porque “Auschwitz” não deixa de ser uma leitura fascinante. Todas as suas páginas resultam de largos anos de investigação, de um trabalho profundo, da leitura de milhares de documentos e de centenas de entrevistas com sobreviventes e representantes de todas as partes envolvidas na história daquele lugar horroroso, fossem eles vítimas ou carrascos. Laurence Rees, o autor, deixa-nos um livro notável, um documento histórico muito bem escrito e estruturado que se lê — oh, paradoxo! — com enorme fluidez.

Todos nós sabemos por alto o que se passou em “Auschwitz”, mas os detalhes da sua história, os pormenores da sua construção, ampliação, manutenção e funcionamento são… queria dizer inenarráveis, mas Rees descreve-os muito bem. Fica a impressão que só um surto de loucura coletiva, um estado de delírio massificado e sem travão pôde justificar todas aquelas ideias, todos os argumentos, todas as barbaridades. Foi o pináculo da desumanização no percurso da Humanidade. E aconteceu há tão pouco tempo. E aprendemos, pelos vistos, tão pouco. É demasiado assustador!

Surpreendente foi aprender que “Auschwitz” não era suposto ter acontecido. Que inicialmente, os grandes ideólogos do nazismo achavam a ideia de extermínio indigna do povo alemão, que nem Hitler estava para aí virado, concentrado que estava em ganhar a guerra, e que se chegou a ponderar enviar os judeus para Madagáscar!

Foi igualmente surpreendente descobrir que a suposta organização e o suposto rigor nazis são, em parte, um mito. Os campos de concentração foram criados para resolver a enorme trapalhada criada pela deslocação das populações dos territórios ocupados pelos alemães. Ao expropriar terras, casas, negócios, industrias e ao pôr tudo isto em mãos germânicas, as tropas nazis criaram por toda a Europa hordas de gente desocupada, miserável, faminta e doente, sobretudo mulheres, crianças e velhos, já que os homens saudáveis foram inicialmente escravizados ou mortos. Como foi possível que ninguém na estrutura do Terceiro Reich tivesse conseguido antecipar esta consequência avassaladora?! Ironicamente, quando a ideia de extermínio começa a esboçar-se naquelas mentes pérfidas, recorre-se ao argumento da “humanidade”, isto é, “mais vale morrerem a viverem assim”.

Fiquei, ainda, estupefacta com o amadorismo, o desenrascar constante com que muita coisa foi feita em “Auschwitz”. Os nazis foram literalmente cilindrados pela estrutura, pelo monstro que criaram e a desorientação grassava entre os responsáveis, para não falar na corrupção e na cultura do roubo. Para além disso, são muitos os sinais de estupidez, de profunda limitação intelectual dos que tomavam decisões importantes. Dizer que havia gente mentecapta a gerir o campo é pouco. Poupo-vos, por exemplo, à descrição das experiências que foram feitas para afinar o método que permitiria matar muita gente ao mesmo tempo até chegarem ao Zyklon B…

Ainda que seja um livro duríssimo, “Auschwitz” é uma leitura que recomendo porque para além do valioso documento histórico que constitui, é um tratado monumental sobre a natureza humana. Não são só os apaixonados por história que vão tirar proveito do que se descreve nas suas páginas. Todos os interessados por qualquer ciência humana ou social aprenderão muitíssimo. Infelizmente, a edição portuguesa está esgotada. Mas estou certa que haverá exemplares nas nossas bibliotecas públicas.

No meu caso, julgo que o livro ajudou a “amortecer” a visita ao campo de concentração. Tinha lido a história mais completa daquele lugar, conhecia os detalhes mais sórdidos das atrocidades cometidas e o carácter dos principais responsáveis, tinha segurado nas mãos, durante dias a fio, aquilo que me parecia ser todo o sofrimento do mundo. Ainda assim, a ideia de estar a pisar o mesmo chão onde milhões de seres humanos experienciaram o indescritível devastou-me.

Quase no fim da visita, um episódio do qual não me orgulho: em frente à forca onde Rudolf Hoess — o grande comandante de Auschwitz — morreu, tive de conter um esboço de sorriso. Interiormente, rejubilei perante a ideia de o ver humilhado e executado na presença de muitos dos que tinham sofrido nas suas mãos. Tenho de admitir que para mim foi o ponto alto da visita ao campo. A linha férrea? Os quilómetros de arame farpado? As toneladas de sapatos e cabelos? Os barracões onde se vivia como animais? Os retratos de gente que estava a escassos minutos de morrer gaseada? O portão onde se lê “O trabalho liberta”? Não. A forca, qual catarse, foi o ponto alto.

Falava eu da natureza humana, não era?

Devemos julgar o comportamento pelo contexto dos tempos. E, julgada à luz do contexto de meados do século XX, a cultura sofisticada da Europa, Auschwitz e a Solução Final dos nazis representam o acto mais baixo em toda a história. Com o seu crime, os nazis trouxeram ao mundo a percepção do que seres humanos educados e tecnologicamente avançados podem fazer desde possuam um coração frio. Uma vez que foi transmitido ao mundo, o conhecimento do que eles fizeram não deve ser apagado. Continua lá — feio, inerte, à espera de ser redescoberto por cada nova geração. Um aviso para todos nós, assim como para aqueles que hão-de vir depois de nós.” (Pág. 427)

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