PORQUE LI?
Porque os livros de Zygmunt Bauman me passavam pelas mãos nos anos em que fui livreira e porque o seu conceito de “liquidez” me intrigou. Sendo os laços humanos em geral, e o amor em particular, assuntos que me interessam, escolhi “Amor Líquido” para o meu primeiro livro do autor.
O QUE ACHEI?
“O principal herói deste livro é o relacionamento humano. Os seus personagens centrais são homens e mulheres, os nossos contemporâneos, desesperados por terem sido abandonados aos seus próprios sentidos e sentimentos facilmente descartáveis, ansiando pela segurança do convívio e pela mão amiga com que possam contar num momento de aflição, desesperados por ‘relacionar-se’. E, no entanto, desconfiados da condição de ‘estar ligado’, em particular de estar ligado ‘permanentemente’, para não dizer eternamente, pois temem que tal condição possa trazer encargos e tensões a que eles não se consideram aptos nem dispostos a suportar e que podem limitar severamente a liberdade de que necessitam para — sim, o seu palpite está certo — relacionar-se (…) Este livro é dedicado aos riscos e ansiedades de se viver junto, e separado, no nosso líquido mundo moderno.”
“Amor Líquido” é um livro relativamente pequeno — não chega às duzentas páginas —, mas a minha leitura foi demorada. Fiz várias pausas, durante as quais li outros livros, porque o texto de Bauman alterna parágrafos que li facilmente, com outros que achei mais herméticos, logo mais exigentes, sobretudo porque a minha cultura filosófica é limitada.
Ainda assim, não foram poucas as vezes em que me lembrei de Gilles Lipovetsky e do seu “Felicidade Paradoxal”, porque é também sobre paradoxos, contradições, ambiguidades, ambivalências, dissonâncias, duplicidades e indecisões dos tempos modernos que se constrói “Amor Líquido”:
querer estar numa relação, mas temer os laços permanentes; valorizar-se a individualidade, mas não saber estar só; procurar parceiros para “escapar à aflição da fragilidade”; substituir as relações por redes onde nos conectamos e desconectamos conforme for mais conveniente; aderir a “comunidades de ocasião”, que surgem em torno de eventos, ídolos ou modas; cultivar a proximidade virtual que separa a comunicação do relacionamento; ser casal, mas estar “semi-separado”; cair em depressões e crises conjugais pós-parto, perante o compromisso amplo e irrevogável da parentalidade; dissociar o amor do sexo, “autossustentável e autossuficiente” e, ainda assim, gerador de tanta frustração, sofrimento e medos quanto o amor conjugal ou o amor livre; favorecer a economia de consumo (em detrimento da “economia informal” e da “economia moral”), que erode a solidariedade humana; os países e as cidades que tentam gerir localmente, em vão, os problemas gerados globalmente (como a poluição); a emergente “mixofobia” nos espaços urbanos, porque os seus habitantes procuram ilhas de semelhança e evitam o esforço de compreender o outro, de negociar e de comprometer-se mutuamente quando, na verdade, o mundo é diverso e polifónico; os cidadãos desgastados, fatigados, entrincheirados na “trindade território/nação/Estado”, que procuram no outro, no diferente, a causa das suas atribulações, caindo o ónus sobre os expatriados, os emigrantes, os apátridas, os refugiados.
Não caiam na tentação de concluir que a visão de Bauman é pessimista. Diria que é, antes de mais, provocadoramente lúcida. É um chamamento para a ação, porque nos dá conteúdo sobre o qual refletir, e pistas para ajustar a nossa atitude e, quiçá, mudar o nosso comportamento. É, no fundo, um texto cheio de esperança porque, como diz o autor:
Recomendo “Amor Líquido” a quem se recusa a enfiar a cabeça na areia, a quem pretende sair da sua zona de conforto para ir ao encontro dos outros, a quem procura estar neste mundo de forma consciente, a quem gosta de desafiar o status quo.
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