Embora Istambul seja, atualmente, umas das cidades mais populosas do mundo — vivem dentro das suas fronteiras administrativas mais de 14 milhões de almas —, não é, em termos de área, das cidades mais extensas. Ainda assim, quando comparados com Lisboa e Porto, que ocupam respetivamente 100 e 41 quilómetros quadrados, os mais de 1500 quilómetros quadrados de Istambul impressionam qualquer português. E impressionam ainda mais se considerarmos que Istambul é das poucas cidades transcontinentais do mundo, já que um terço das suas 39 “freguesias” fica no continente asiático. Estar em Beyoğlu, na Europa, apanhar um ferry e chegar em 20 minutos a Kadıköy, na Ásia, é por isso uma das atividades turísticas mais recomendadas a qualquer visitante.
Kadıköy, uma das “freguesias” de Istambul, fica na costa norte do Mar de Mármara e alberga cerca de 500 mil habitantes. Para além de uma importante zona residencial — alguns dos bairros junto à linha de água, aos extensos calçadões, e aos espaços verdes, como Moda e Fenerbahçe, são considerados os mais chiques —, Kadıköy é também um importantíssimo centro comercial, onde o comércio tradicional e os grandes shoppings coabitam. É aqui, por exemplo, que fica o maior mercado de rua da Turquia, onde podem ser comprados alimentos frescos, com destaque para o peixe, o marisco, os legumes, os vegetais, os frutos, os queijos e as azeitonas. Tudo o resto também se encontra nas largas avenidas, nas ruas mais estreitas ou nas extensas vias pedonais ladeadas por todo o tipo de lojas, restaurantes, bares, cafés, pastelarias e gelatarias. Nessas ruas os vendedores de balik ekmek (sandes de peixe grelhado), simit (uma espécie de bagel turco) e castanhas assadas ocupam, também, os seus lugares estratégicos e perfumam o ambiente com aromas que abrem o apetite, ainda que tenhamos o estômago cheio.
Pus os pés na Ásia num Sábado à tarde, depois de um delicioso e farto pequeno-almoço turco, comido já tarde em Karaköy. Enquanto a parte Europeia de Istambul parecia relutante em acordar e levantar-se da cama, encontrei a zona ribeirinha de Kadıköy a explodir de animação. Milhares de pessoas passeavam nas ruas, faziam compras, ocupavam esplanadas e sentavam-se nas rochas frente ao mar, desfrutando do sol que achei anormalmente forte e quente para os últimos dias do mês de Outubro. Fiz um pequeno périplo pelo comércio enquanto subi a Rua Moda, vinda do terminal dos ferries, e nessa caminhada, avistei a Büke sentada a ler na esplanada do Cafe Zoo.
“Sou Socióloga e Professora universitária. Ler faz parte da minha profissão”. Assim se apresentou Büke que, embora admita ler maioritariamente livros académicos, tinha optado por ler algo muito distinto naquele dia. “Comecei agora a ler este ‘Kuantum Teorisi Felsefe Ve Tanri’, que discute a relação entre Religião e Ciência na perspetiva da Teoria Quântica. Interesso-me pela Sociologia das Religiões e achei que o livro me permitirá olhar de outra forma para a Religião.”
Porque é praticante de Yoga, Büke explicou-me que gosta de livros de carácter espiritual e de desenvolvimento pessoal. Aliás, tinha terminado havia pouco tempo “Işığın Yolu” (algo como, “Passagem para a Luz”), um romance new age, escrito por Nilüfer Devecigil, uma autora turca. “O livro é sobre a relação do personagem principal com a sua família, é sobre a forma como as relações familiares afetam todas as relações de toda a nossa vida. Um livro simples, que cobre todos os assuntos.” E acrescentou, antes de me despedir dela: “Adoro o que faço, mas quando leio livros que não têm nada a ver com o trabalho, sinto-me livre.”
Sentindo-me livre, também, desci para as margens do Mar de Mármara onde me esperava outra leitora e um pôr do sol esplêndido que acompanharia o meu regresso, de ferry, à Europa.
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