Gülçağ, na Livraria Mephisto

A Istiklal, no coração histórico de Istambul, é um lugar que transborda vida. Esta avenida pedonal com quilómetro e meio de extensão — normalmente atravessada por um elétrico, mas que encontrei em obras de remodelação e com o piso a ser substituído — constitui uma cidade por si só. Ali tudo se pode encontrar: uma miríade de lojas de pronto a vestir, calçado e acessórios, cafés, pastelarias, restaurantes, bares, discotecas, cinemas, teatros, clubes de música ao vivo, galerias de arte, livrarias e museus. Há, também, uma escola, a mais antiga da Turquia, de seu nome Liceu Galatasaray, fundado em 1481. E pelo menos dois templos: a Mesquita Ağa e a Igreja de Santo António de Pádua.

Porque fiquei alojada a norte desta avenida, para lá da Praça Taksim, e porque quase tudo o que queria visitar estava nas suas imediações ou a sul, atravessei todos os dias a Istiklal a pé, fascinada com o movimento e os milhares de cabeças que se espraiavam à minha frente. De manhã, ainda era possível fazer a caminhada com os olhos erguidos para as fachadas monumentais dos edifícios que ladeiam a avenida e que exibem uma arquitetura típica do século XIX e início do século XX. Era, também, a melhor altura para observar as montras sem arriscar ser um empecilho para quem caminhava apressado. Mas à noite, as obras e o caudal de gente obrigou-me a olhar para o chão e para onde punha os pés, limitando-me a deixar-me ir na torrente que, de um dos lados da avenida, seguia para norte. Fazer um desvio para entrar numa loja implica muito jogo de cintura. É preciso fazer um slalom por entre centenas de pessoas e aguentar encontrões involuntários. Sei de gente que vive em Istambul e que já não tem paciência para a Istiklal. Sei também de gente que ainda a atravessa de nó apertado na garganta desde que a avenida foi alvo de um ataque por um bombista suicida, em Março de 2016. Morreram 6 pessoas e 36 ficaram feridas.

Mas a Istiklal também oferece refúgios. Um deles é a Igreja de Santo António de Pádua, concluída em 1912, que visitei várias vezes e da qual já vos falei aqui. Outro, é a Çiçek Pasajı (Passagem das Flores, inaugurada em 1876), uma passagem coberta, exatamente como as que existem em Paris, e onde me soube tão bem sentar-me e beber uma cerveja fresca enquanto fazia o balanço do dia de passeio que chegava ao fim. E, claro, há as livrarias, cheias de gente, é certo, mas ainda assim apaziguadoras, porque os livros, entre muitas outras virtudes, parecem ter a capacidade de formar uma barreira que repele qualquer ruído exterior. A Livraria Mephisto, aberta em 1997, é uma das maiores de Istambul e foi lá que conheci a leitora Gülçağ.

Gülçağ é leitora frequente e ultimamente, por causa do seu doutoramento, tem dedicado mais tempo aos livros de arte. A tese que redige explora a forma como as divisões das casas são representadas nas mais variadas formas de expressão artística: no cinema, no teatro, na pintura, etc. A Livraria Mephisto é um lugar que visita muitas vezes, gosta do ambiente e da música sempre boa que anima o espaço. Gülçağ tinha acabado de comprar um título sobre Ayurveda, uma forma de medicina tradicional com raízes na Índia, mas os seus interesses literários, disse-me, abrangem temas tão diversificados como a filosofia, a mitologia ou os títulos de desenvolvimento pessoal.

“Masal Terapi” (algo como, “Histórias Terapêuticas”) é um livro que se encaixa nesta última categoria e que Gülçağ considera um dos seus preferidos, talvez o livro da sua vida. A autora, Judith Liberman, compilou contos do médio oriente e de outras partes do mundo, acrescentando-lhes, no fim, pensamentos sobre sentidos mais profundos dos textos, citações relacionadas com as histórias, questões sobre as quais refletir e exercícios para pôr em prática. O livro está, ainda, profusamente ilustrado. “Este livro, por causa da psicologia subjacente, elevou a minha alma”, explicou Gülçağ.

 

 

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