PORQUE LI?
Porque me foi oferecido por um amigo, que pediu ao autor que autografasse o livro para mim quando veio apresentá-lo em Portugal em 2014. Nessa altura eu já andava com a cabeça focada na volta ao mundo e depois disso os desencontros com o amigo sucederam-se. Três anos e meio mais tarde, na edição de 2017 da Feira do Livro do Porto, pude finalmente receber a oferta pacientemente guardada.
O QUE ACHEI?
“Onde Cresce o Perigo Surge Também a Salvação” é um pequeno livro que me arrebatou. A ideia de que jamais o teria lido se não me tivesse sido oferecido entristece-me. Tenho-me em pouca conta no que diz respeito à minha capacidade intelectual para processar informação da área das ciências exatas e o palavrão “astrofísica” assusta-me. Suspeito que devo rever esta minha atitude. Por outro lado, o facto de alguém ter a certeza de que eu iria gostar de lê-lo dá-me pelo menos duas razões para me alegrar: 1º) tenho amigos que, embora distantes, me conhecem melhor do que eu poderia suspeitar; 2º) de certa forma, é esse o papel que desempenho na vida dos outros enquanto biblioterapeuta — o da pessoa que sabe o que vai fazer bem ler —, o que é reconfortante.
Hubert Reeves — astrofísico canadiano e ecologista militante, hoje com 85 anos — conta, em “Onde Cresce o Perigo Surge Também a Salvação”, duas histórias: “A bela história” e a “História menos bela”.
A primeira é a história do caminho que os seres humanos percorreram para estar hoje aqui e agora, e do quanto estamos, enquanto espécie, intrinsecamente ligados ao cosmos. Como refere Reeves logo no início do livro “a nossa existência está ligada a fenómenos que se desenrolaram ao longo de milhares de milhões de anos, se desenvolveram num espaço de milhões de anos-luz e incluem o aparecimento das galáxias, das estrelas e dos planetas.” A partir daqui, aborda uma série de leis físicas eternas, que se observam em todo o universo, mas cujas variantes ligeiras no nosso sistema solar e no nosso planeta em particular permitiram o eclodir da vida tal e qual a conhecemos e sem os quais eu não estaria aqui a escrever sobre o assunto, nem vocês estariam desse lado a ler este texto. As forças rigorosamente ajustadas, a granularidade da radiação fóssil, a matéria negra e a energia escura, o nascimento do carbono, o núcleo quente da terra ou a raridade das órbitas circulares, entre muitos outros, são fenómenos complexos que convergiram espantosamente (coincidência ou não…) para proporcionar a nossa existência. Recordei a cada momento a afirmação de Carl Sagan “somos filhos das estrelas”, cujo significado eu compreendia genericamente, mas que só graças a Hubert Reeves pude apreender com mais profundidade.
A segunda história, a menos bela, é a história do nosso comportamento deplorável enquanto espécie, “do saque que tem vindo a ser feito ao planeta pela atividade humana, apoiada pela capacidade tecnológica que a nossa inteligência nos permitiu atingir”, da crise ecológica que espoletámos, isto é, da tão propalada “Sexta Extinção”. Nesta segunda história, Reeves aponta as provas materiais dos nossos crimes — suportadas pela arqueologia e pelo nosso próprio ADN — e lista as vagas de extinções que foram ocorrendo no planeta à medida que a espécie humana ocupava toda a superfície terrestre, até às mais remotas e isoladas ilhas.
Por fim, numa espécie de síntese, Hubert Reeves fala-nos do “Despertar Verde”. Tal como o autor disse numa entrevista que tive a oportunidade de escutar recentemente, “a astronomia e a ecologia são duas faces da mesma moeda: a astronomia (e a biologia) explica-nos como chegámos até aqui; a ecologia ensinar-nos-á como permanecer por cá.” Nestas últimas páginas do livro, Reeves aponta exemplos do bom caminho que já começámos a percorrer, fala-nos de cosmoética e de como “a inteligência, que desempenhou um papel tão negativo no desenvolvimento da ‘história menos bela’, deve agora servir para reencontrar a harmonia com a ‘história bela’.” O tom é de otimismo racional e foi totalmente ao encontro das minhas crenças.
Resumindo, “Onde Cresce o Perigo Surge Também a Salvação” será, muito provavelmente, o meu livro-surpresa de 2017 e suspeito que vou relê-lo muito em breve. São apenas 139 páginas (que consumi numa viagem de comboio entre Lisboa e o Porto), mas parecem muitas centenas tal a quantidade de informação valiosa que condensa e a avalanche de estímulos à reflexão.
Recomendo-o a todos os que, tal como o autor, sentem com pungência que fazem parte do cosmos, têm preocupações ambientais e são optimistas quanto à capacidade para inverter o caminho de delapidação da nossa única casa: o planeta Terra. Os menos optimistas em relação ao nosso futuro, os cépticos e até os cínicos também têm muito a ganhar com a leitura das palavras de um cientista reputado e deslumbrado com a beleza da vida.