No passado mês de Agosto, depois de “Verão no Aquário”, de Lygia Fagundes Telles, que fui repescar à minha biblioteca, li “A Vegetariana”, de Han Kang, “A Viagem do Elefante”, de José Saramago e “Há Sempre um Amanhã”, de Pearl S. Buck, três romances da biblioteca dos meus pais. Este último não estava na minha lista de leituras prioritárias e, na verdade, quase o preteri em função d’ “A Amiga Genial”, de Elena Ferrante. Acontece que houve um parágrafo, logo na primeira página, que me fez optar por Pearl S. Buck. O facto da autora ser Prémio Nobel da Literatura e de já ter lido e gostado muitíssimo de “Terra Bendita” fez, também, pender o prato da balança a seu favor.
O QUE ACHEI?
“Durante todo o seu último ano de estudante, na universidade, tivera consciência de que a sua mocidade terminara e sentira-se impaciente por iniciar a sua vida de mulher (…) Queria tudo quanto surgisse no seu caminho, inteiramente, absolutamente, a transbordar! Confiava nos anos que viriam, sentia-se audaz, com a esperança de uma longa vida, pletórica de energia no seu corpo forte, abastada de tudo quanto seria preciso para o que queria fazer.” (Pág. 5-6)
Se adicionarmos às palavras acima citadas uma certa sensação de vazio — porque, afinal, tudo o que eu sabia fazer nesta vida era estudar —, foi exatamente assim que me senti na tarde em que soube a nota de um último exame, em Novembro de 1995, e me dei conta que estava licenciada. Porque não queria adiar a entrada para o mercado de trabalho, o dia seguinte seria o primeiro do resto da minha vida e toda eu era esperança.
De Pearl S. Buck li apenas dois livros, mas julgo que me bastam para concluir que a esperança é um dos seus temas prediletos, como aliás se pode depreender pelo título deste “Há Sempre um Amanhã”. Os personagens dos seus romances são, por norma, gente que aguenta estoicamente as piores agruras da vida, gente resiliente que verga, mas não quebra, dá o corpo ao manifesto, não desiste de lutar por dias melhores e vai buscar forças a um sentimento de esperança inabalável. Assim é, também, Joan Richards, a protagonista deste romance.
Estão a ver o tal parágrafo inicial que me conquistou? É praticamente o único raio de sol em quase toda a narrativa. A partir dali a vida de Joan — primeiro filha e irmã, mais tarde mulher e mãe — segue de tragédia em tragédia. Tudo o que considerava garantido vai-se esfumando à medida que a história avança — os familiares morrem ou emigram, a religião deixa de servir de refúgio e consolo, as oportunidades de trabalho não surgem, a pequena comunidade onde vive não a acode quando mais precisa — e pelo meio toma decisões que me desiludiram profundamente, como a relação que mantém com um homem mais velho e de vida algo obscura, ou o casamento infeliz como solução para substituir o lar que tinha perdido. Uma fuga em frente que corre mal…
Uma das minhas tias contou-me que “Há Sempre um Amanhã”, foi fundamental para ultrapassar um episódio traumático vivido nos idos anos sessenta. Devo confessar que à medida que avançava no livro e a história me revolvia as entranhas — achei Joan demasiado passiva, pouco determinada e de fraca índole em demasiadas ocasiões —, tive alguma dificuldade em compreender como um livro tão triste e áspero poderia ajudar alguém que parte para a sua leitura num contexto de profunda tristeza. Mas a resposta foi-se desenhando à medida que a história progredia.
Joan acaba por tomar as rédeas da sua vida, não tanto apostando no que quer exclusivamente para si (e nisto não me identifiquei muito com ela, achei que podia ter sido mais ambiciosa…), mas no bem que pode fazer aos outros (o que até consigo entender). Imbuída do tal sentimento de esperança que, apesar de tudo, nunca a abandonou, Joan reage e alicerça o novo rumo que dá à sua vida num propósito muito claro, no amor altruísta, no aconchego de um lar simples, na alegria das crianças e na leveza de um dia vivido de cada vez. Há como que um apaziguamento porque ainda que não saiba o que o futuro lhe reserva, sabe que no mínimo o dia seguinte trará consigo a possibilidade de um recomeço.
“Há sempre um amanhã” é um livro que recomendarei a todos os que, cansados dos baldes de água fria com que a vida os agride, perderam a fé no dia de amanhã, num futuro melhor, isto é, a todos os que perderam a esperança. Pena é que esteja esgotado no mercado português. Valham-nos as maravilhosas bibliotecas públicas e os alfarrabistas.