PORQUE LI?
Mais um livro de ficção para as minhas férias de Verão. Li-o porque o título e a sinopse me aguçaram a curiosidade, porque foi o vencedor do Man Booker International Prize em 2016 — o que sempre é um selo de qualidade — e porque convenci o meu pai a oferecê-lo à minha mãe no Natal passado. Estava, portanto, à minha espera nas prateleiras da casa onde passo o mês de Agosto.
O QUE ACHEI?
À primeira vista poderá parecer um romance sobre as consequências de uma mudança radical, da adesão a um estilo de vida ainda pouco disseminado e olhado de revés (pelo menos na Coreia do Sul, a julgar pelo livro), da defesa acérrima de um “capricho” e, finalmente, do resvalar para aquilo a que a maioria de nós chama loucura. Contudo, no meu entender, este é, antes de mais, um livro sobre as consequências da violência física e psicológica vivida desde a mais tenra idade, que muitas vezes se manifestam tarde, na vida adulta, quando aparentemente, e de novo aos olhos dos outros, tudo está bem.
É o que acontece a Yeong-hye, a vegetariana, personagem central do romance de Han Kang, figura apagada, tolhida pelo carácter irascível do pai, traumatizada pelas práticas cruéis da comunidade onde cresceu e nunca amada pelo marido que a descreve, logo na segunda linha do livro, como “alguém que não tinha rigorosamente nada de especial”.
Na minha cabeça Yeong-hye materializou-se numa mulher de uma fragilidade física e psicológica absoluta, tão débil que raramente lhe é dada a palavra no decorrer do romance. Talvez porque lhe faltem as forças morais e físicas para falar (ou porque as árvores não falam…), a história nunca é narrada por si, mas pelo marido (um pobre de espírito), pela a irmã (mais resiliente, apesar de tudo) e pelo cunhado, um artista tão frágil como Yeong-hye e a quem a vida também não vai correr de feição. Porém, Yeong-hye, que começa a ser atormentada por sonhos horríveis envolvendo sangue e carne crua, reúne forças para uma coisa espantosa: tornar-se vegetariana, no evoluir do processo renunciar à sua própria carne — veículo de dor —, e fazer-se árvore, porque os vegetais não sofrem.
A este propósito, recordo as palavras do falecido Eduardo Galeano que, num vídeo bastante disseminado nas redes sociais, afirmou:
“Para nos levantarmos, há que saber cair. Para ganhar, há que saber perder. Temos de saber que a vida é assim e que caímos e nos levantamos muitas vezes. Mas alguns caem e nunca mais se levantam, são geralmente os mais sensíveis, os mais fáceis de magoar, as pessoas a quem mais dói viver. A gente mais sensível é a mais vulnerável.”
Yeong-hye é uma delas.
Um livro sobre a violência, os traumas, a força das convicções e as reações adversas dos outros às mesmas. Recomendo “A Vegetariana” a todos os que lutam para fazer respeitar as suas escolhas e aos que tendem a julgar as escolhas dos outros com leviandade.