Por razões profissionais passei a frequentar, no início deste ano, a Neonatologia do Centro Materno Infantil do Norte. Sem nunca ter imaginado que um dia poderia viver uma experiência semelhante, um desafio relacionado com livros e com leitura levou-me a descobrir esta espécie de antecâmara da vida que já não acontece no útero, mas num par de salas asséticas de um edifício alto e moderno com vista sobre a cosmopolita cidade do Porto.
A cada visita, depois de desinfetadas as mãos e vestida a bata, tenho a impressão de entrar num mundo paralelo, povoado pelos seres mais pequenos e afoitos da terra, aqueles que quiseram chegar mais cedo para ver como isto é, pregando um valente susto aos pais e exigindo todo o desvelo dos profissionais de saúde, que dão tudo por eles.
Olho para as incubadoras e para os berços, observo os minúsculos guerreiros, falo com os pais — que mantêm a cabeça à tona num oceano de alegria, incerteza, deslumbramento, cansaço, esperança, medo e gratidão — e penso no mantra que me diz tanto e que aqui no CMIN (como em tantas outras unidades de saúde!) se repete à exaustão, qual boia a que todos se agarram: um dia de cada vez, um dia de cada vez, um dia de cada vez…
Quando fiz a fotografia que agora partilho, o bebé da Cristina tinha nascido havia 18 dias, com apenas 24 semanas de gestação (cerca de 6 meses). A estadia no CMIN previa-se muito longa, mas Cristina mantinha-se serena e aproveitava uma pausa nos cuidados do bebé para ler, na sala reservada aos pais, “A Rapariga de Antes”, um thriller psicológico lançado este ano em Portugal.
“A sugestão de leitura foi-me feita pela WOOK, onde costumo comprar livros. Tinha algum dinheiro acumulado no cartão de cliente e então decidi comprá-lo porque gosto deste género de literatura. Só ainda não o acabei porque estou muito ocupada no hospital.” E era precisamente no hospital que o ato de ler ganhava maior significado, uma vez que para a Cristina “ler é uma forma de relaxamento, quando estou a ler estou concentrada, alheio-me e esqueço o dia a dia, esqueço o stress deste ambiente.”
Disse-me que gosta de livros de suspense, mas que na verdade lê de tudo desde pequena. Foi aos catorze anos, contudo, que um episódio determinante se deu, no decurso de um Verão: leu “Os Maias” em três dias, ficou “vidrada” e a partir daí começou a procurar livros mais substanciais. “O meu pai tinha em casa uma coleção de livros com clássicos. Foi o suficiente para passar a ler literatura mais adulta.”
Quando terminasse “A Rapariga de Antes” (o que estava para breve) a Cristina ia ler “A Alegria do Amor”, escrito pelo Papa Francisco, um livro que a interessa por ser catequista. Até lá, ia acabar de digerir o thriller de J. P. Delaney, um livro que a surpreendeu “porque explora as facetas que as pessoas não revelam. Achamos que sabemos quem as pessoas são, mas afinal só conhecemos o que está à superfície. Aconselho-o a todos aqueles que têm o hábito de confiar cegamente nos outros, a todos os que de tão bons que são acabam por se prejudicar.”