Já li – A Gorda

dscf4128PORQUE LI?

Soube do lançamento d’ “A Gorda” no fim do Verão passado, através de uma informação comercial que me foi enviada pela LeYa. O título — curto e grosso — captou o meu interesse e o nome da autora consolidou a minha vontade imediata de ler o livro: tinha acompanhado, uns anos antes, a polémica gerada pelo seu “Caderno de Memórias Coloniais” e intuí que neste primeiro romance Isabela Figueiredo prometia algo intenso. Não me enganei.

Deu-se o acaso da autora ter apresentado o livro na Biblioteca Municipal de Portimão no mesmo fim de semana em que lá inaugurei a exposição do Acordo Fotográfico, em Dezembro. Outros compromissos impediram-me de comparecer na apresentação, mas o meu pai surpreendeu-me com a oferta do romance depois de me ouvir comentar o quanto gostaria de o ler.

O QUE ACHEI?

No habitual balanço literário que é feito a cada fim de ano, muitos críticos portugueses apontaram “A Gorda” como um dos melhores livros de 2016. Não sou crítica literária, não tenho formação para analisar os livros de forma profissional (ou académica?), nem leio o suficiente para chegar a conclusões semelhantes ou não.

Posso dizer-vos, no entanto, que gostei muito deste romance cru, visceral, honesto e que o li num instante. A prosa é excelente, a personagem principal poderosa — assim como a restante galeria de personagens: a Tony, o Daniel, o papá e a mamã — e o retrato de um certo Portugal, sobretudo a nível social, desde os anos setenta a esta parte pareceu-me perfeito. Sem ter nada em comum com a personagem e a sua história, identifiquei-me muitíssimo com o estado de espírito do país que Isabela Figueiredo descreve. Considero este livro intensamente português.

Gostei até dos aspectos mais desconcertantes da história e de Maria Luísa, a heroína. Aliás, admito, foi pelos aspectos desconcertantes, por vezes a roçar o doentio (bolas!, não consigo fugir a este juízo de valor…), mas tão genuínos que este romance me agarrou: a natureza da sua amizade com Tony, a adolescente com quem partilhava o quarto nos anos de internato num colégio; a obsessão por David, que me fez duvidar da sua sanidade mental; a ausência dos pais, que se mantêm em Moçambique após o 25 de Abril, e outras carências que colmata com comida; a relação conflituosa que mantém com o seu próprio corpo, que não pára de crescer, incontrolável, mas que Maria Luísa teima não deixar interferir com o que mais deseja para sua vida — amor e respeito; a determinação em engravidar numa idade em que isso se torna muito mais difícil e o método incomum a que recorre; a vida com o papá e a mamã num apartamento em Almada, atafulhado de móveis hediondos trazidos de África, e o fardo que é ser filha única quando estes envelhecem, adoecem e exigem cuidados. As suas mortes são episódios dolorosos, que não deixam de ser vividos com um alívio admitido sem pudor.

Uma nota final para as cenas de sexo d’ “A Gorda”. Dizem ser as mais difíceis de descrever, por se cair facilmente no mau gosto, no piroso, na maior vulgaridade. Isabela Figueiredo tem, contudo, o dom de evitar tudo isso e narra os encontros sexuais tal como eles são, sem lirismos bacocos ou metáforas que resultem caricatas. Comparar um orgasmo que começa a anunciar-se vagamente a “uma emanação de dor opiácea, que se mostra e esconde, como o lume de um isqueiro gasto que procuro acender. Sacolejando-me, procuro o ponto de ignição (…)” é, no meu entender, de mestre.

Um livro excelente, mas especial que pode mexer com algumas cabecinhas ou até vísceras. Recomendo-o com convicção, mas não a qualquer leitor/a.

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