Andava para lá ir desde que voltei ao Porto, em Outubro de 2015, mais ou menos quando a Confraria Vermelha abriu as suas portas. Recordo muito bem a primeira vez que ouvi falar no projecto. Julgo que foi há um par de anos que uma amiga minha mencionou o crowdfunding que tinha sido lançado para ajudar a financiar a abertura da primeira livraria feminina do país — uma livraria como todas as outras, onde se vendem obras de todos os géneros literários desde que escritas por mulheres. Não só achei a ideia genial, como foi por essa altura que tomei consciência do défice gritante de autoras nas prateleiras das estantes que tenho em minha casa.
Acontece que o tempo foi passando, pus-me a fazer dezenas de coisas ao mesmo tempo (entre elas um crowdfunding também) e a ida à Rua dos Bragas para visitar a Confraria Vermelha foi sendo adiada. Até à semana de Julho em que aproveitei a visita dos meus pais para descansar uns dias. Numa das manhãs em que os acompanhei num passeio pelos jardins do Palácio de Cristal, deparei-me com uma leitora que abordei sem saber que se tratava de Aida Suárez, a fundadora da Confraria Vermelha. De tanto pensar na livraria, a livraria acabou por aparecer no meu caminho!
“Porno Burka – Desventuras del Raval y otras f(r)icciones contemporáneas”. Assim se chamava o livro que a Aida lia. Porque era uma leitura que estava pendente havia algum tempo e porque estava a preparar uma entrevista com a autora, Brigitte Vasallo. Filha de emigrantes, Brigitte Vasallo passou uma boa parte da sua vida em Marrocos, país onde tomou consciência da sua educação etnocêntrica, colonialista e culturalmente arrogante. É por isso que hoje em dia, na sua qualidade de jornalista, escritora e feminista anti-racista, é particularmente activa na luta contra a islamofobia como forma de racismo e integra o Red Muçulmanas, um grupo de mulheres que trabalha em prol do feminismo islâmico e contra os preconceitos em relação às mulheres muçulmanas. “Porno Burka”, o seu primeiro romance, espelha os temas que a apaixonam e a movem: “as fronteiras físicas, culturais ou mentais, as divisões de género, os limites identitários e outras invenções”, como afirma na sua página pessoal.
“Tinha muita curiosidade pelo livro“, disse-me Aida acerca de “Porno Burka”. “Primeiro porque a história é verídica; depois porque se passa no Raval, em Barcelona, e descreve bem toda a multiculturalidade do bairro e dos personagens. Para quem conhece o bairro do Raval, a história torna-se ainda mais real.”
E continua: “Uma das coisas de que mais gosto neste livro é o sentido de humor. Ainda há pouco estava aqui a rir sozinha enquanto lia! A escrita é rica e a autora brinca com a linguagem, põe os vários personagens — emigrantes, gays, transexuais — a falar no seu idioma — galego, catalão, árabe ou inglês — o que espelha as relações culturais no bairro. Este é um texto que nos leva a pensar sobre outras coisas, de carácter político e social, de forma divertida, lúdica e recreativa.”
Por último, a Aida recomendaria o livro “a alguém que se sinta confortável a ler o romance no original por causa da riqueza dos muitos idiomas nele presentes. E também a quem tenha curiosidade por formas de viver e de estar alternativas, fora da caixa, porque as personagens não são comuns. São gente que questiona as regras e desafia as normas.”
“Porno Burka” ainda não se encontra traduzido para português. Porém, quem se quiser aventurar a ler o romance no original pode fazê-lo gratuitamente, já que o PDF completo é disponibilizado pela autora aqui.