A Gracinda começou a trabalhar cedo. Aos seis anos, na sua aldeia beirã, já guardava cabras. Depois, a vida levou-a para Angola, de onde voltou com cinco filhos na famosa ponte aérea. Não trouxe absolutamente mais nada e nunca mais regressou a África. Em Portugal, a vida continuou a ser feita de muito trabalho até aos setenta anos. Hoje, a raiar as oito décadas de uma vida marcada por episódios intensos, a Gracinda continua a ser uma mulher vigorosa, que coloca a mesma energia nos cuidados da sua casa, no cultivo do campo ou na leitura dos muitos livros que requisita na Bibliomóvel de Proença-a-Nova.
“Sempre fui assim desde pequena”, contou-me. “Na minha casa não havia livros, mas surripiava os livros que havia nas casas onde trabalhei em Portugal e em Angola. Não havia televisão, só rádio. Então, passava horas a ler à noite e depois no outro dia tinha tanto sono!” Em Angola, frequentava a Biblioteca da Beira e encomendava livros na livraria de Sá da Bandeira. Em Portugal, foi assinante da Reader’s Digest até 2008, ano em que deixou de trabalhar. “Com a reforma, não tenho a possibilidade de comprar livros”, desabafa, “por isso a Bibliomóvel é fundamental.”
Diz a Gracinda que o seu autor preferido é Eça de Queirós. Gosta de todos os seus livros, que lê e relê. E também gosta muito do romance “E Tudo o Vento Levou” que já leu várias vezes com o mesmo entusiasmo. “Quando leio não estou cá, não penso noutras coisas, não ouço ninguém”, explicou-me. “E os livros são conhecimento. Há muitos lugares que parece que já lá fui, mas que nunca conheci, como Auschwitz.”
Quando a Bibliomóvel estacionou num pequeno largo da aldeia de Cunqueiros, a Gracinda interrompeu os cuidados que prestava às batatas e às ervilhas para devolver alguns livros e requisitar outros. Depois da nossa conversa e da fotografia feita, voltou ao trabalho da terra com quatro romances no regaço: “A Vida de Pi”, de Yann Martel; “Uma Chuva de Diamantes” e “A Família Sogliano”, ambos de Sveva Casati Modignani e “As Flores de Lótus”, de José Rodrigues dos Santos. Porque os livros também a alimentam.
Fantástico!
Terra Natal do meu Pai e mais 10 irmãos e de muitos primos.
Passei o mês de Agosto de 1970 em casa da minha Avó; sem wc, ia-se ao mato, sem luz levantávamos-nos cedo, ia com um tio aos pardais para um arroz (hoje dirão um horror); com um primo pastorear cabras para os cerros, enfim, boas memórias.
Sabiam que nos Cunqueiros nos dias de hoje ainda não há cobertura GSM? Só subindo ao cimo da aldeia se vê uma série de pessoas a apontar o telemóvel para várias direcções a ver se apanham rede; quase 50 anos depois ainda esquecida…
Mas, quase todos os anos há uma reunião de Família; quem quer e pode aparece.
António Balau
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