PORQUE LI?
O livro foi-me oferecido pela Companhia das Letras no âmbito da conversa com Julián Fuks que, graças à editora, aconteceu nas Correntes d’Escritas 2016. O autor é filho de pais argentinos e nasceu em São Paulo em 1981. Aos 23 anos ganhou o Prémio Nascente da Universidade de São Paulo (2004), em 2007 foi finalista do Prémio Jabuti e em 2012 finalista do Prémio Portugal Telecom.
“Resistência” é o seu romance mais recente e foi apresentado no festival literário da Póvoa de Varzim, no passado dia 26 de Fevereiro.
O QUE ACHEI?
Li “A Resistência” embalada pela memória da voz grave de Julián Fuks e do seu discurso pausado, feito de palavras escolhidas com exactidão. Li o seu romance sob o efeito da conversa intimista que tivemos sobre livros e leituras passadas. E foi esse registo algo privado que transpus para as páginas do livro, sem saber — porque não foi sobre “A Resistência” que conversámos — que ele continha um relato auto-ficcional, escrito por um autor que diz não saber inventar.
As semelhanças entre o perfil do narrador, Sebastián, e o do autor, Julián, são evidentes, mas resisti (e escolho a palavra de propósito) até ao fim em interromper a leitura para averiguar até que ponto o romance era ou não autobiográfico. Se desfrutei mais ou menos do livro não sei e, sinceramente, acho que nem interessa. O que sei é que mergulhei de cabeça naquele mundo profundamente pessoal, onde me cheguei a sentir intrusa: o mundo da luta contra uma ditadura, da perseguição política, da tortura, dos desaparecidos, do exílio, da adoção, do medo da rejeição, do sentimento de inadequação, da psicanálise, da terapia em família, das relações entre pais e filhos, das relações entre irmãos, do sofrimentos e, também, da alegria.
Foi como se tudo me tivesse sido contado só a mim, em segredo; um segredo construído sobre memórias fragmentadas que Sebastián-Julián vai recompondo e unindo; um segredo que, embora provido de pudor, é ao mesmo tempo cristalino. Talvez porque só assim, com transparência, fizesse sentido encarar o desafio que um dia o irmão adotado lhe lançou: escrever sobre a adoção.
A escrita de Fuks é bela. Fica a vontade de ler os livros anteriores e, claro, os próximos.