No início da minha conversa com o José, puxei dos meus galões e falei-lhe dos muitos anos que trabalhei com livros, o que me terá permitido conhecer bastante bem o mercado editorial. No fim da nossa conversa lamentei a minha gabarolice, porque dos cinco livros que o José mencionou eu conhecia apenas um… Fica-me a satisfação de ter descoberto quatro títulos — todos difíceis de encontrar à venda em Portugal — e de ter adquirido novos conhecimentos, uma vez que fui forçada a investigar não só as obras, mas também os autores.
Fotografei-o numa viagem de metro, a caminho da Trindade. O José ouvia música e relia “Don Juan and The Art of Sexual Energy” para decidir se o seu filho já terá maturidade para lê-lo também. “Eu já conhecia um pouco da cultura mesoamericana ancestral e debruço-me sobre esta área em particular, a sexualidade, por considerá-la uma das mais importantes da vida. Acho que a sociedade ocidental tem hoje outra abertura para descobrir a sexualidade, mas somos ainda muito ingénuos. Recomendaria este livro a toda a gente que tem interesse no tema, gente disposta a descobrir uma perspectiva pouco comum e com abertura a culturas diferentes. Gosto muito de livros sobre outras culturas, livros na linha deste que se pode ler como um romance ou como um relato autobiográfico”, explicou.
Uma leitura na diagonal dos comentários ao livro na Amazon.com revela que o conteúdo da obra é algo controverso: a maioria dos leitores atribui 5 estrelas ao livro (a classificação máxima), mas os restantes dão-lhe apenas 1 estrela (a pior classificação), havendo muito poucas avaliações a meio da tabela. Parece, portanto, que ou se adora ou se detesta “Don Juan and The Art of Sexual Energy”. E no que toca à idoneidade da autora, as opiniões também divergem: a editora Simon & Schuster apresenta Merilyn Tunneshende como sendo uma feiticeira Toltec e também uma Nagual — isto é, alguém que tem a capacidade de se transformar num ser que é metade mulher e metade animal — que, após 20 anos de aprendizagem no deserto mexicano, se dedicou, por exemplo, à cura através da energia, à participação em palestras, à realização de workshops e à escrita; não são poucos, no entanto, os que consideram esta discípula de Carlos Castañeda uma charlatã.
Porque gosta de ler vários livros ao mesmo tempo, o José trazia um outro na mochila que me mostrou também. Tratava-se de “Great Waters: An Atlantic Passage” que, de acordo com o editor, é “uma notável meditação científica e exploração espiritual de um dos recursos naturais que menos valorizamos — o Oceano Atlântico”. E depois, ao perguntar-lhe sobre os livros da sua vida, ainda me falou dos seguintes: “Mundos Simultâneos”, da mítica colecção Argonauta, o primeiro livro que o marcou, ainda na pré-adolescência (uma história irritantemente adequada aos tempos que vivemos, embora o livro tenha sido publicado pela primeira vez há mais de sessenta anos); mais tarde, já com quinze ou dezasseis anos, “A Morte das Imagens”, romance de Helena Malheiro, foi outro marco; e por fim, mais ou menos com a mesma idade, “Amor de Perdição”, de Camilo Castelo Branco, cujo último capítulo recorda ter lido ao som de música com violinos e a chorar do princípio ao fim.
Foram apenas dez minutos de conversa. Tivéssemos nós tido mais tempo, suspeito que teria deixado a estação da Trindade com uma lista bem maior de títulos por explorar. É por isso que ao fim de quatro anos continuo viciada nesta tarefa inusitada que me impus: abordar gente que não conheço e pedir-lhes que me falem de livros.