Foi o Sr. Roy Botelho — proprietário e gerente da hospedaria onde dormi em Pangim —, que me recomendou com entusiasmo uma visita à Biblioteca Central de Goa. Isto teria bastado para que me dirigisse de imediato para a zona de Patto, onde se ergue o edifício, mas os elogios que fez ao projeto de arquitetura e à sua modernidade aguçaram ainda mais a minha curiosidade. Soube depois que a obra é da autoria de Gerard d’Cunha, um muito premiado arquiteto goês que, curiosamente, foi casado com Arundhati Roy, a autora vencedora do Booker Prize em 1997 com o romance “O Deus das Pequenas Coisas“. Após um copioso pequeno-almoço de sabores goeses que Roy me viu sorver com prazer, pus a mochila às costas, deixei o bairro das Fontainhas, atravessei a ponte azul e branca sobre o rio de Ourém e entrei no bairro de Patto onde o horizonte, num contraste evidente com o resto de Pangim, já é dominado por um conjunto de prédios altos e recentes. Aí, numa área onde ainda permanecem muitos terrenos vagos a pedir mais construção, eleva-se a biblioteca, um grande edifício de seis andares e janelas amplas que deixam adivinhar um espaço interior cheio de luz natural.
De acordo com a informação disponiblizada no site da instituição, a Biblioteca Central de Goa é a mais antiga da Índia e conheceu, desde a sua fundação, várias designações: Pública Livraria (1832); Biblioteca Pública (1836); Biblioteca Nacional de Nova Goa (1897); Biblioteca Nacional Vasco da Gama (1925); Biblioteca Nacional de Goa (1959) e, nos dias de hoje, Biblioteca Central de Goa Krishnadas Shama, nome do fundador da literatura concani, a língua oficial deste estado. Estabelecida em 1832 pelo vice-Rei D. Manuel Francisco Zacarias de Portugal e Castro, a biblioteca beneficiou em 1834 da transferência dos espólios bibliográficos dos conventos e ordens religiosas extintas por ordem do monarca D. Pedro IV. Muitos anos mais tarde, em 1952, adquiriu o estatuto de Depósito Legal o que lhe permitiu enriquecer ainda mais a sua coleção com obras publicadas em Portugal e noutras províncias ultramarinas. Estima-se que até 1961, ano em que Portugal perdeu Goa para a União Indiana, a biblioteca tenha acumulado cerca de 40 000 livros e jornais em inglês, francês, latim, concani, marathi e português, claro. Aliás, é importante que se diga que a Biblioteca Central de Goa é considerada o maior depósito de livros em português de toda a Ásia. Atualmente conta 180 000 obras, a maioria em Hindi e Inglês.
Uma vez dentro da biblioteca, muito para além da dimensão e modernidade do edifício, impressionam sobretudo a forma como as diferentes áreas se distribuem e organizam no espaço, assim como o leque de serviços que a instituição coloca ao dispor dos cidadãos. Há razões óbvias e justificadas para que todos os goeses tenham orgulho nesta magnífica biblioteca. No rés-do-chão, a par da recepção, da área de cacifos e do balcão para devolução de livros requisitados, encontra-se a secção de publicações periódicas — revistas e jornais —, a zona de livros em braille e também uma galeria de arte que incentiva os artistas locais a mostrar o seu trabalho. E depois, de andar em andar, sucedem-se as surpresas: uma área dedicada em exclusivo às crianças, com 10 000 livros, brinquedos, computadores com acesso à internet, uma sala para projeção de filmes e respetiva coleção de DVDs e salas de estudo que funcionam vinte e quatro horas por dia; um centro de conferências e locais de trabalho equipados com secretárias e computadores com ligação à internet, que estudantes e investigadores podem alugar mensalmente; um centro para digitalização de obras antigas e um laboratório onde se aplicam as tecnologias mais avançadas na preservação dos livros; um piso inteiro dedicado às obras adquiridas durante o período colonial — e onde pude visitar uma exposição temporária de livros e fotografias sobre a luta pela independência de Goa — e, naturalmente, centenas de estantes intercaladas com aprazíveis áreas de leitura onde todo o espólio da biblioteca está ao alcance de qualquer apreciador de livros.
Sentada a uma mesa junto a uma grande janela por onde entrava a luz forte do sol, encontrei a jovem Leanne, Couto o seu apelido. Não pude deixar de lhe perguntar se falava português. Respondeu-me que não, mas contou-me que o pai ainda fala. Aceitou com um sorriso a minha sugestão de pedir ao pai que lhe ensinasse um pouco com o argumento de que saber português ainda é uma mais-valia nos dias que correm. Mas fiquei convencida que esse não é um empreendimento que a entusiasme por ai e além. Na altura em que conversámos a Leanne, quase a fazer 18 anos, estava mais empenhada em duas outras coisas: aproveitar ao máximo o seu primeiro ano na faculdade como estudante de Biotecnologia e retomar o hábito de ler. “Hoje as aulas acabaram mais cedo e então decidi passar pela biblioteca. Adoro ler, mas nos últimos dois anos quase não pude fazê-lo por causa dos estudos. Agora que consegui entrar para a faculdade estou a retomar essa rotina“. Estava a ler as primeiras páginas de “The Time of My Life” (“O Meu Encontro com a Vida“, na edição portuguesa), um livro da irlandesa Cecelia Ahern, que Leanne julgou ter um título apelativo. “Prefiro romances. Há pouco tempo li e gostei muito do livro ‘Beautiful Disaster‘, (‘Um Desastre Maravilhoso‘), mas não posso dizer que seja o livro da minha vida. Ainda não sou capaz de fazer essa escolha“, afirmou.
Fotos da Biblioteca Central de Goa, aqui.
Olá Sandra, colocámos um post sobre si na nossa página do FB http://www.facebook.com/lusophonegoa
Cumprimentos
Aurobindo Xavier
Presidente – Sociedade Lusófona de Goa
http://www.lusophonegoa.org
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