Carlos, Santiago e Paris em paz

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O Carlos nasceu em Lisboa, mas quis a vida que fosse festejar o seu quarto aniversário a Lourenço Marques, actual Maputo. O regresso de Moçambique aconteceu muitos anos depois, quando se deu o 25 de Abril, mas não sem antes o Carlos ter combatido na Guerra Colonial, em Cabo Delgado. Emocionou-me esta coincidência. Na verdade, emocionaram-me uma rol de coincidências naquele fim de tarde: porque tinha saído para ir tirar umas fotos tipo passe a uns metros da minha casa e pressenti que devia levar a câmara; porque havia muito que queria fotografar alguém a ler no Jardim Basílio Teles, em Matosinhos, e parecia que o Carlos esperava lá por mim; porque o Carlos me falou, comovido, de uma zona de Moçambique onde eu nunca estive, mas de que ouço falar desde que me conheço, uma vez que o meu pai também lá combateu.

Ter participado num episódio tão importante da História recente de Portugal, acabou por moldar os seus gostos literários: o Carlos tem uma predilecção muito clara por romances históricos e por literatura sobre a guerra em África. Naquela tarde lia “Olhos de Caçador”, um livro de António Brito, de que estava a gostar muito porque, embora ficcionado, se baseia em factos verídicos e descreve paisagens e terras que o Carlos conheceu muito bem. “O Anjo Branco”, de José Rodrigues dos Santos, foi um outro romance passado em Moçambique que apreciou muitíssimo e que mencionou durante a nossa breve conversa. Depois, referiu a literatura sobre a Segunda Guerra Mundial e sobre o fim da monarquia portuguesa, ambos temas que o fascinam.

O Carlos fez-se leitor sozinho. Contou-me que na casa do pai, onde cresceu, não havia livros. Lembra-se, por exemplo, de ter convivido com gente que lia e discutia livros proibidos pelo Estado Novo, nomeadamente os clássicos russos. Mas o Carlos nunca os leu. Hoje, diz ele, não lê mais porque investe grande parte do seu tempo na educação do seu neto Santiago. Porém, não deixa de levar consigo um livro para o jardim na esperança de ler um pouco enquanto o miúdo corre feliz atrás de uma bola. “Os livros e a leitura fazem com que seja completamente absorvido pela história”, disse-me. “Quando estou a ler, encarno o personagem e o resto à minha volta não existe. Às vezes chamam-me para ir para a mesa e nem ouço!”.

Quando me levantei para seguir o meu caminho, o Carlos também estava de regresso a casa na companhia do neto e da cadelinha Paris. No bolso levava duas recomendações que lhe fiz (uma para colmatar a lacuna de que me falou; outra que achei adequada à sua preferência por romances históricos): “Anna Karénina”, de Lev Tolstoi e “Memórias de Adriano”, de Marguerite Yourcenar. Talvez em breve possamos discutir um clássico russo e um um clássico francês.

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