Stefano, em Milão

 
 
“Saio do chão, entrego-me de corpo e alma. Tenho o maior prazer de viajar pela possibilidade dos encontros, das coisas novas, das pessoas, de visuais e de inspirações. Fico extremamente aberto para tudo o que vejo.”
Hans Donner, à revista “UP”, da TAP
 
Assim como adoro livros e não posso passar sem eles, tenho uma necessidade quase fisiológica de viajar. Ambos, livros e viagens, são os alimentos que a minha alma mais reclama e sei que sem eles seria uma versão menor de mim. Costumo dizer que a culpa é dos meus pais, que emigraram no final dos anos 60. Aquelas longas travessias de carro entre Paris e Portimão, passando por Espanha, ou as vindas mais fugazes pelo Natal, já de avião, moldaram-me irremediavelmente. Para mim tudo na viagem é adrenalina: a partida, o desconhecido, a descoberta, a diferença ou a semelhança, o choque, o confronto, o deslumbramento, o espanto, a aprendizagem, o regresso. E agora, para além de tudo isto, há o Acordo Fotográfico e a expectativa de poder conhecer e conversar com gente que lê nessas paragens mais ou menos distantes. 
 
Há quinze dias tive a oportunidade de voltar a Milão. A primeira visita à cidade, há quase cinco anos, não me marcou. Na altura, eu e as minhas companheiras de viagem estávamos a acabar um périplo de duas semanas por várias cidades italianas, de mochila às costas, e trazíamos a barriga cheia de arte, comida, vinho, cores e gentes quentes das paragens mais a sul. Em Milão chovia, fazia frio, achámos as pessoas antipáticas e a cidade com pouca oferta cultural. Nem pudemos ver a Última Ceia porque não sabíamos que era preciso marcar a visita com meses de antecedência… Mas desta vez, desafiada por um casal de grandes amigos que veem Milão com outros olhos, decidi dar uma segunda oportunidade à cidade. E ainda bem que o fiz porque acho que a entendi melhor e fui, até, seduzida pela sua sofisticação, pelo luxo, pelo requinte, pela gente bonita e sobretudo pelo extremo bom gosto com que tudo é feito. 
 
Foi numa paragem para o almoço, à procura de mais uma fatia de pizza ou de um panini num local a que aqui no Porto chamaríamos um “pão quente”, que encontrei o Stefano a ler sentado junto a uma grande vitrina com vista para a rua. O Stefano nasceu no sul de Itália, mas foi criado em Milão desde muito pequeno. Quando lhe disse que estávamos a gostar da cidade mostrou-se surpreendido porque no que lhe diz respeito Milão tem um lado sombrio, melancólico, que o leva a ponderar partir. Naquela hora de almoço, completamente alheado do bulício da clientela e da azáfama dos empregados, lia com atenção um livro em grego sobre as canções tradicionais da Grécia. A leitura iria ajudá-lo a redigir uma tese sobre a métrica das canções gregas, um trabalho que nunca ninguém fez acerca de um tema que considera verdadeiramente excitante. 
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