Num fim de semana de agosto em que voltei a Lisboa, fiz questão de ir passear até à baixa. Ocorreu-me que talvez conseguisse subir ao Arco da Rua Augusta, recém aberto a visitas, mas a fila de turistas dissuadiu-me. Então, entrei pela Praça do Comércio adentro, caminhei em direção ao Tejo e depois segui para a direita, onde a renovada Ribeira das Naus me convidou a ir por aí. Ocorreu-me nesse momento — e comentei-o com a minha mãe, que estava comigo — que mesmo tendo vivido oito anos em Lisboa e depois de lá ter regressado muitas vezes, nunca tinha mergulhado os pés no Tejo. Lembrei-me, então, de um casal de estrangeiros que certa manhã, muito cedo, vi chegar ao pequeno areal do Cais das Colunas, despir a roupa da noitada e mergulhar quase nus no rio, como se aquela fosse a água de uma praia tropical. Não pensei duas vezes: descalcei-me, desci os degraus com cuidado e deixei que uma pequena onda me chegasse aos pés. Depois, continuei no sentido do Cais do Sodré e foi quase no fim da calçada da Ribeira das Naus que avistei Darren a ler sentado em frente ao Tejo.
Darren é escocês e vive em Lisboa há três anos, onde é professor de inglês. Gosta de cá estar, por isso pensa que ficará mais um ano ou dois. Leitor habitual, diz que o livro da sua vida é aquele que está a ler no momento, embora admita que “Matadouro Cinco“, de Kurt Vonnegut, o tenha marcado de forma muito particular. De acordo com este raciocínio, o livro da vida de Darren, quando o fotografei, era “Moby Dick“, de Herman Melville, um romance publicado pela primeira vez e 1851 e considerado um dos maiores romances da história da literatura norte-americana. Havia muito que Darren queria ler este clássico, mas receava que pudesse ser muito difícil por estar escrito num inglês antiquado. Até que um dia, no âmbito da iniciativa Big Reads, da BBC — que todos os anos escolhe, de uma longa lista, um título cuja leitura dos capítulos é grava por figuras conhecidas e disponibilizada ao público em geral, num ato de promoção dos livros e da leitura — Darren ouviu a atriz Tilda Swinton ler o primeiro capítulo de “Moby Dick” e decidiu que era chegado o momento de encarar aquele colosso da literatura. Depressa se deu conta que o seu receio era infundado e que estava redondamente enganado no que dizia respeito à suposta dificuldade em ler o romance. Considera-o, apesar do inglês antigo, um livro poético e uma leitura do qual se retira enorme prazer. “Fiquei grande fã!”, rematou. E que melhor cenário haveria em Lisboa para lê-lo se não ali?